13 de out. de 2018

Euro raiz: CONCORDIA


por Fabrício Mello , cronista-raiz convidado


"Hoje eu me considero um eurogamer plenamente convertido", disse para Renata ao fim da nossa primeira partida depois de dois anos sem jogar juntos. Ela suspirou e sorriu satisfeita como quem diz: Mais um que enxerga a luz! 

Mas não é qualquer euro não, avisei.Aqueles euros pesadões, com doze mecanismos diferentes, estou fora. Eu gosto de euro assim, gesticulei para o tabuleiro salpicado de pecinhas de madeira,aprende-se em dez minutos, joga-se em noventa e satisfaz intelectualmente. 

Vitor, o terceiro jogador à mesa, disse: Sei, você gosta de euro raiz.” Vitor é sempre econômico e certeiro nas palavras.


Tabuleiro de 3 a 5 jogadores com o Mediterrâneo. No verso, o tabuleiro traz a Itália, de 2 a 4 jogadores.


Dinheiro, recursos e colonos reservas numa área limitada.
Havíamos acabado de estrear Concordia e a aprovação era unânime. Provavelmente os leitores deste blog conhecem esse jogo de 2013 de Mac Gerdts, que no ano seguinte foi um dos três nomeados para o prêmio Kennerspiel des Jahres (perdeu para Istanbul). Para quem não teve o prazer de experimentar, é um jogo de colonização de cidades mediterrâneas na época do Império Romano. Cada jogador começa com dois colonos em Roma, um terrestre, outro marítimo, algum dinheiro, algumas mercadorias, e sete cartas na mão. Cada carta representa um personagem da época, tal como um senador ou um tribuno. No seu turno, o jogador simplesmente joga uma carta da sua mão e executa a ação associada ao personagem. Por exemplo, a carta do arquiteto permite movimentar os colonos no tabuleiro e construir colônias, que é a ação mais importante, pois a maior parte da pontuação final vem das colônias. Elas são construídas em cidades preexistentes no mapa. As cidades produzem, cada uma, um dos cinco produtos que existem no mundo de Concordia. Esses produtos são usados para construir novas colônias.

A partir de Roma, os colonos (barcos e meeples) partem para conquistar as cidades

Cartas de ação do jogo, e com o deus que pontuará no final.
Ao longo da partida, os jogadores podem comprar novas cartas que vão sendo abertas de um baralho comum e ficam oferecidas a todos. Essas cartas ampliam o leque de ações que os jogadores podem realizar. No entanto, as cartas em Concordia têm uma função dupla. Cada carta é dedicada a um de seis deuses romanos. No final do jogo, cada deus dará pontos segundo um critério particular. Por exemplo, Júpiter dá um ponto de vitória para cada colônia construída pelo jogador, exceto aquelas em cidades produtoras de tijolos. Só que o jogador ganha esses pontos para cada carta dedicada a Júpiter que ele possuir no final do jogo. Assim, além de comandarem ações durante o jogo, as cartas bem colecionadas direcionam a estratégia maior do jogador. Essa dupla função das cartas é o aspecto mais brilhante do design de Concordia.

O jogo é a quintessência do euro raiz. As regras cabem em quatro páginas, com exemplos e ilustrações. Há pouca aleatoriedade e ela não é determinante. A partida flui e se resolve em pouco tempo. Cada turno oferece decisões interessantes. E ao final, ganhando ou perdendo, você compreendeu um pouco mais o jogo. Você sabe onde errou e sabe que vai jogar melhor na próxima vez. Justamente por isso você quer jogar de novo. Essa inexorável aquisição de competência (que é o exato oposto da frustração) é o distintivo do euro raiz, mais do que meeples e casinhas de madeira. Nisso, o euro raiz se aproxima dos clássicos abstratos, como Go ou Xadrez.
Os cinco tipos de cidade e recursos que produzem.

Concordia é também euro raiz ao nos proporcionar competição sem animosidade. A disputa é intensa e alguns turnos são angustiantes; mas é um jogo pacífico, fiel ao nome. As oportunidades de bloqueio absoluto de alguém inexistem, assim como ataques diretos ou destruição daquilo que se construiu. É um jogo de abundância, de movimento, de expansão, de ordem lógica, de pura clareza mediterrânea.

Se no aprendizado constante o euro raiz me atraiu, na promoção da amizade competitiva ele me conquistou. Muitos jogos de tabuleiro são mal-disfarçados veículos para catarse de agressão e sadismo, às vezes por parte do próprio designer. Com os meus poucos e bissextos amigos, prefiro que o tempo tenha qualidade monástica e que o som de fundo seja riso, engrenagens cerebrais e Miles Davis. Obrigado por lerem!

Fabrício (à esq), Renata e Vitor, todos felizes após uma cordial partida raiz. 


Informações técnicas:
Jogo: Concordia
Autor: Mac Gerdts
Editoras: Cranio Creations, Rio Grande Games, Ystari Games (entre outras)
Nº de jogadores: 2 a 5
Idade: +13
Duração: 1h 40min

Expansão: 
Concordia: Salsa
Traz dois novos mapas, novo produto (sal) e mais cartas de ação.

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